terça-feira, 15 de maio de 2012

Pesquisa de Campo - FRANCISCO DAVID.



Nossa quarta pesquisa de campo foi com o jovem Francisco David, 19 anos, estudante que é Ateu desde que nasceu.


Há quanto tempo você é Ateu?

Na verdade, creio que todos já nascemos ateus. A bem ou a mal, a massa encefálica das pessoas - onde reside a idéia de deuses, demônios entre outros - é como um computador sem sistema operacional. As doutrinas, conceitos morais, idéias, todas são implantadas posteriormente pelos pais ou pela sociedade em que vive. No meu caso, me dei conta de tal, aos doze anos, quando passei a confrontar por mim mesmo as idéias da religião, e até por me interessar por conhecer outras religiões. Mas, só assumi publicamente - por medo de represálias -, em meados de 2008. Bom, em suma, tem uns sete anos.
 

O que o levou a essa escolha?

Na realidade, não creio que alguém tenha o direito natural de escolher o que acredita ou não. Se ela escolhe, ela não acredita a princípio, ela está se forçando a crer em algo que naturalmente não acredita, por medo de resposta negativa da família, dos amigos ou de quem quer que seja. A ausência de fé, de uma crença religiosa deu-se em mim por meio da confrontação, de forma natural. É o que sempre digo: a grande maioria das pessoas nunca leu a bíblia, e por isso ainda a levam a sério. Como diria Isaac Asimov, "Lida propriamente, a bíblia é a maior arma em favor do ateísmo já criada". Quando observamos as inúmeras contradições, as incoerências científicas do gênesis, entre tantos outros absurdos, notamos que a bíblia, em suma, não passa de apenas mais um livro de mais uma religião. E, ao verificarmos os registros históricos, descobrimos que mesmo as três grandes religiões monoteístas - judaísmo, islamismo e cristianismo - não são mais que cópias de antigas religiões do Oriente Médio, como o culto a Baal ou o culto egípcio a Hórus.
 

Há outras pessoas que não creem em Deus em sua família?

Na verdade, não. Pelo menos não até onde sei. Isso explica, inclusive, os inúmeros conflitos que tenho com alguns familiares pela minha ausência de crença.
 

Como seus pais encararam sua escolha?

Bom, meus pais se afastaram muito de mim depois que assumi não mais ter fé. Normalmente, acabam entrando no assunto, gerando discussões realmente desgastantes. Até pela formação estudantil de ambos, eles não conseguem compreender que ninguém escolhe o que acredita ou não. Hoje em dia, assumir-se ateu é até meio perigoso: você pode perder oportunidades de emprego, perder amigos - como eu perdi -, entre outras coisas. E ainda ser chamado de arrogante, como sou chamado toda vez que entram no debate e vêem-se com a fé abalada. Ainda estou na luta para mostrar a eles que eu não sou um monstro só por não ter uma crença em deus. Mesmo porque, olhando por esse ângulo, eu não me afastei de ninguém, não estou sendo preconceituoso e "levantando falsos testemunhos", que é o que eles estão fazendo - indo, inclusive, contra um dos principais princípios bíblicos.

Você já acreditou na existência de Deus em algum momento?


Sim. Fui criado numa família cristã. Acompanhei por um tempo os cultos da Igreja Católica; alguns anos depois, fui apresentado ao protestantismo. Inclusive, por algum tempo, eu realmente levava a sério a igreja, participava de teatros e toda a sorte de coisas relacionadas à crença. Hoje, vejo que é um grande erro doutrinar crianças. Elas ainda não têm capacidade de descobrir o que querem sozinhas.

Como é o dia a dia sem deus e sem fé?

Completamente normal. Faço o que todas as pessoas fazem no dia-a-dia. Não creio que haja alguma diferença no cotidiano. Claro, eu tenho um pouco mais de tempo extra para dormir nas manhãs de Domingo. Mas só isso também (risos).

 
Você usa ou já usou expressões como “graças a Deus”, “Deus me livre”, “se deus quiser”, mesmo que por força de expressão?


Não. Há algum tempo eu extirpei todos esses tipos de expressão que liguem a alguma espécie de criador metafísico. Mas, não vejo problemas em ateus que pronunciam as mesmas. Um grande exemplo é o vlogger Cauê Moura, dono do canal "Desce a Letra", no Youtube, que em quase todos os seus vídeos solta um "Jesus!" ou um "Ai, meu deus do céu!". É força de expressão, não precisamente condiz com a opinião de quem as pronuncia. Aliás, ainda que viesse de um cristão, estaria errado, afinal, não é muito sadio invocar o nome de deus em vão.

 
Quando se acredita em deus, é possível associar valores éticos e morais à lógica cristã. Quando não se crê em deus, como se fundamentam esses valores? Qual o parâmetro para definir o “certo e o errado”, o “justo e o injusto”, por exemplo?


Essa é uma questão realmente muito ampla. Em primeiro lugar, não existem razões para se crer que a moralidade e os valores éticos sejam de responsabilidade religiosa. Se olharmos a história, veremos que a maior parte das guerras e destruições foram feitas em nome de algum deus ou de alguma religião. A Santa Inquisição, religiosos extremistas do Oriente Médio, e mesmo as atrocidades do nazismo eram influenciadas por algum tipo de crença. É claro, há sempre o argumento "Stálin e Mao-Tsé eram ateus e você não os está citando". Sim, não estou mesmo. Mas nenhum desses regimes foram influenciados pelo ateísmo, e sim por uma opinião, uma doutrina política que não tem como base o ateísmo.
Além do mais, ao lermos a bíblia, chegamos à conclusão de que ela não é nem de longe um grande exemplo de moralidade e ética. Mesmo a estória (sim, “estória”) de Jesus, no Novo Testamento é um exemplo de que a bíblia não é um guia de moralidade, afinal, deus sacrifica o próprio filho para redimir os erros da humanidade. Detalhe adicional: deus é onipotente, poderia perdoar do dia para a noite, sem necessitar de suplícios, sacrifícios e sofrimentos; ele também é onisciente, sabe do futuro. Logo, todos os pecados, todos os erros sandices morais que a humanidade cometera até então eram de sua responsabilidade, afinal, ele já criou a humanidade sabendo qual seria o resultado; o destino já era por ele traçado. Não dá para usar um deus sádico, misógino, homofóbico e adorador do sofrimento como o maior exemplo de moralidade e ética. Não podemos deixar de citar, por exemplo, quando deus ordena a Abraão que o mesmo sacrifique seu filho - Isaque - de forma a provar o seu amor e fé (Gen. 22:2-3). Não creio que esse possa ser um exemplo de grande moralidade. É claro, mais pra frente, deus diz que não quer mais o sacrifício, quase como se fosse uma "pegadinha" para ver até onde Abraão iria por amor a ele. Mas isso não altera o fato de que qualquer criança comum sofreria de problemas psicológicos graves depois disso. Tudo em nome dos caprichos de um deus que precisa se sentir adorado.

Além do mais, existem diversas ponderações sobre a raíz da moral. Existe até a teoria do "Gene Egoísta", proposta pelo biólogo Richard Dawkins, que sugere que alguns pricípios morais podem ter raízes genéticas intrínsecas. A velha história do "coce as minhas costas, que eu coço as suas".

De todo o modo, creio que seja até exagerado dizer que só os crentes em alguma religião possam ter alguma moral. Mesmo porque, é até incoerente. Se alguém é bom apenas por temer o inferno, o purgatório e o tormento eterno, é porque ela não é realmente boa. E pior: se se usa realmente a religião como base moral, as maiores atrocidades podem ser justificadas em nome de deus. Basta ver o número de mortos nas guerras religiosas antigas ou atuais. Tenho certeza que a morte e o sofrimento não são bons, mas aquelas pessoas realmente acreditam que estão limpando o mal da humanidade. Sequer percebem que elas é que são o mal.

Em contrapartida, é preciso notar também que, em total contraste, os países com menores taxas de criminalidade, melhores índices de educação e saúde, são os países onde a religião é menos predominante, como podemos observar na pesquisa feita pelo instituto de pesquisa Gallup, em 2009 (
http://www.gallup.com/poll/142727/religiosity-highest-world-poorest-nations.aspx). Num dos índices, vemos que países como Suécia e Dinamarca são os menos religiosos. E não é preciso ir longe para observarmos a diferença absurda entre esses países e países menos religiosos, como os países do Oriente Médio, por exemplo. Isso não é coincidência...



Deus é, muitas vezes, uma espécie de suporte para enfrentar as turbulências da vida, Quando não há fé em Deus, o que substitui esse "suporte" nos momentos de dor? Onde você busca consolo/conforto?

Bom, isso é um tanto quanto subjetivo. O fato de haver, de certa forma, uma espécie de motivação para superar e enfrentar os problemas da vida na crença em deus, não a torna mais autêntica do que qualquer outra forma. Posso muito bem orar pelo “monstro espaguete voador” ou para o “unicórnio rosa invisível”, se eu correr atrás, vai funcionar. Não pela prece, mas por mim, pelo que eu fiz. Nada acontece se não nos movemos para tal. E para nos movermos, não é preciso crer em algo. Alguns, creêm em deus, outros em si mesmos, outros em Buda, Alá, Krishna, ou o que quer que seja. Mas no fim, tudo depende única e exclusivamente de nós mesmos.



Como você encara datas festivas religiosas como Natal e Páscoa, por exemplo? Comemora ou não? De que forma?

Na realidade, eu não comemoro. Mas é aquela velha história: tem comida, tem festa, okay, estamos dentro. Mesmo porque, nem mesmo os religiosos comemoram tais datas como de importância religiosa. Não é preciso pensar muito para percebermos que Páscoa é igual a chocolate e Natal é igual a presente, nos dias de hoje. E, para todos que possuem um pouco de conhecimento da história da religião cristã, sabemos que nenhuma dessas duas datas são, de fato, cristãs e que nada têm a ver com Jesus Cristo. Ambas são apenas mitos históricos que foram assumidos como parte da mitologia cristã nos inúmeros Concílios realizados pela Igreja Católica na antiguidade.

 
Você já se sentiu/sente-se discriminado por ser ateu? Em caso afirmativo, como foi é a situação?


Bom, discriminação ainda não, mas preconceito sim. E isso tem lá seu lado bom. Por exemplo, a mãe de uma das pessoas que mais converso, que mais tenho apreço, me olhava com maus olhos por eu ser ateu e andar com a filha dela. Com o tempo, pude provar o meu potencial e a minha boa índole e, hoje, sinto-me feliz por saber que fiz alguém mudar de idéia. Inclusive hoje a mãe da tal pessoa gostaria de me ver junto com a própria filha, se é que me entende (risos).
Mas, em outros casos, fui acusado de herege. E até reprimido, ameaçado de arder no inferno e todas essas coisas. Mas eu aprendi a relevar. O preconceito e discriminação só existem porque ninguém tenta mudar. Portanto, faço a minha parte no dia-a-dia para fazer com que as pessoas enxerguem o outro lado da moeda.



O único episódio em que realmente senti uma ponta de discriminação foi, obviamente, o caso do jornalista José Luiz Datena que, durante um de seus shows televisivos – com todo o perdão, mas não o encaro nem como um jornalista –, associou os ateus aos mais hediondos crimes.

Qual a sua opinião em saber que o número de brasileiros sem religião já chega aos 12 milhões? Acredita que se a sociedade em geral fosse Ateu, o que no mundo seria diferente? Como que o mundo ia prosseguir?


É importante frisar: embora 12 milhões sejam sem religião, isso não significa que sejam todos ateus ou agnósticos. Na realidade, o IBGE sequer fez questão de colocar os ateus na sua pesquisa. Nem creio que essa seja uma pesquisa válida, afinal, misturaram ateus, agnósticos e quem acredita mas não vai à igreja na mesma opção, no mesmo grupo, o que é de uma incoerência absurda.

Quanto a ser um mundo diferente sem religião, acho que sim. Mas, quanto a ser melhor, acho que não. Tudo depende do ângulo. Se houvesse um abandono voluntário da fé, por meio do pensamento, da racionalidade, como algumas pessoas o fazem hoje, sim, até seria melhor. De forma obrigatória, como vemos em lugares como Cuba, não. Afinal, as pessoas trocariam a fé por uma ideologia qualquer.
Além do mais, nunca teríamos quadros como alguns do Leonardo Da Vinci, Bouguereau, entre outros tantos que foram influenciados por alguma religião, cristã ou não. Existem pessoas boas e ruins em todos os lados. Na religião e fora dela também.

Mas, creio que com o tempo, a religião não será abandonada de todo, e sim, será reconfigurada. Algumas pessoas sentem necessidade de se apoiar em algo antes de tomar as suas decisões, de se sentirem importantes. As coisas parecem melhores quando achamos que há um deus que se importa tanto conosco, a ponto de observar nossos erros e nos recompensar por nossos erros. Estamos num tempo onde a razão está falando mais alto. E isso obrigará a religião a alterar alguns dogmas, se quiser sobreviver.
 

O ateísmo mudou algo em sua vida?

Na realidade, não acho que mudou muita coisa não. Nunca tive problemas com ninguém, sempre fui tolerante e tudo o mais. A única difereça é que não consigo crer numa vida após a morte. Isso faz com que eu tenha mais gosto por viver de forma engrandecedora, sem desperdiçar o amor nem nada mais, afinal, a vida é uma só. Seja feliz enquanto ainda existir, porque no fim, todos viraremos adubo (risos).


Obs: como descrição e observação desta pessoa podemos observar que o mesmo foi a pessoa que esteve mais aberto ao assunto e explicou com respostas interessantes sobre as questões que foram perguntadas. Francisco, foi um contribuidor muito grande para nosso trabalho, pois foi com ele que obtivemos a base para este blog, ele nos deu uma direção, orientação e muitas informações como livros, sites, revistas, onde encontramos o conteúdo para o blog. Aproveitamos para agradece-lo!

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